Do Rio de Janeiro (RJ) – 06.10.2020
A representatividade feminina no voleibol brasileiro, em especial nas comissões técnicas, foi o tema desta terça-feira (06.10) na 45ª edição da Academia do Voleibol. O debate virtual transmitido gratuitamente pelo Canal Vôlei Brasil contou com a presença de seis mulheres com diferentes funções dentro da modalidade, apresentando problemas e debatendo possíveis alternativas para aumentar a igualdade de gênero.
O projeto da Academia do Voleibol foi iniciado pela Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) durante a pandemia da COVID-19, visando levar conhecimento técnico e científico para profissionais de todo o país de maneira gratuita. No encontro desta noite, múltiplas vozes femininas apresentaram os desafios para elevar o número de profissionais dentro das comissões técnicas das equipes de quadra e praia.
O tema foi debatido por Júlia Silva, gerente de seleções de voleibol de quadra da CBV, Isabelle Melo, analista de marketing da CBV, Letícia Pessoa, técnica medalhista olímpica, Heloisa Roese, técnica e atleta olímpica que participou dos Jogos de Los Angeles-1984, Cida Lisboa, técnica e ex-jogadora de vôlei de praia, e Vandeca Tomassoni, técnica no projeto Voleibol Nova Trento. A mediação ficou com Márcia Albergaria, da Universidade Corporativa de Voleibol (UCV).
O ponto de partida do debate foi um estudo realizado por Isabelle Melo para o Curso Avançado de Gestão Esportiva (CAGE) do Comitê Olímpico do Brasil (COB). Ela realizou um levantamento que apontou a ausência de mulheres nas comissões técnicas.
“Temos mulheres nos altos cargos na Confederação Brasileira de Voleibol, entre nove gerentes, cinco são mulheres. Mas nas comissões técnicas, vimos essa lacuna. E isso me motivou desenvolver esse trabalho para o curso do COB. E para entendermos isso, precisamos olhar para a história do esporte em si. Na última edição da Superliga Banco do Brasil, eram 181 membros comissão técnica, sendo somente oito mulheres”, disse Isabelle.
Júlia Silva comentou a importância da abertura de oportunidades para que outras mulheres tenham referências dentro dos cargos, aumentando o interesse.
“A ausência de mulheres em cargos dentro de comissões técnicas é uma questão mundial, fui buscar informações para entender como podemos ser agentes de mudanças. Que seja um passo de formiga, mas precisamos evoluir, dar espaço. O questionamento da competência feminina tem uma ligação forte com a liderança, que é sempre muito atrelada ao homem. Temos que romper esse ciclo”, disse Júlia Silva.
O debate também contou com relatos pessoais de grandes treinadoras da atualidade. Cida Lisboa, técnica da dupla Tainá/Victoria e que comandou as seleções de base de vôlei de praia feminina por quatro anos, comentou os desafios que encarou na profissão.
“Quando minha filha (Duda) tinha 16 anos, começou a despontar no vôlei brasileiro. Um profissional homem chegou e disse para mim que a partir daquele momento, deveria deixar minha filha ser treinada por outra pessoa, criar asas. Ele disse ‘daqui alguns anos ela disputará uma Olimpíada, mas acredito que ainda não será sua vez’. E aquilo me incomodou muito, pois estávamos fazendo um ótimo trabalho. Temos que lutar com nossa força, temos que batalhar e conquistar nosso lugar ao sol”, disse Cida.
Dona de três medalhas olímpicas, duas pratas com o time Adriana Behar/Shelda, e uma prata com Alison/Emanuel, Letícia Pessoa contou sobre sua experiência e o fato de ser vista como pioneira na posição de treinadora na modalidade.
“Sempre achei que competência não tem sexo, não tem classe social, não tem raça. Tenho um centro de treinamento, sou respeitada, monto minha comissão. Fico lisonjeada de saber que comecei essa história no vôlei de praia junto de outros grandes nomes. Que tenhamos ajudado a ter mais mulheres em nosso esporte. Não é fácil, mas acredito muito no trabalho”, disse.
O debate apontou algumas possíveis razões para o número reduzido de treinadoras no esporte. A visão equivocada de que a maternidade e o alto rendimento são incompatíveis, por exemplo, a falta de incentivo e a contratação de homens por homens, criando um ciclo vicioso.
“Nascemos e crescemos em uma estrutura que lidamos com naturalidade com situações que teríamos que lutar para mudar. A questão da maternidade, por exemplo, é muito clara. A escolha entre ser mãe ou treinadora. Nenhum homem precisa fazer essa escolha. As mulheres também não deveriam ter que escolher. Mas é imposto como se a mulher não pudesse se ausentar. Precisamos de pessoas como agentes de mudanças”, disse Júlia Silva.
Vandeca Tomassoni comentou que o apoio familiar foi base fundamental para alavancar os projetos como treinadora e gestora em Nova Trento (SC).
“Nunca me preocupei muito com preconceito por ser mulher. Mas era vista como a “estradeira”. Precisava sair, viajar, me ausentar. Felizmente, minha família contribuiu muito, me apoiava. Meu marido é meu incentivador, meu filho também trabalha no projeto. Deu tudo certo. Mas sempre gostei de desafios, fui tentando achar motivação para buscar meu espaço e construir algo diferenciado”, destacou.
Heloisa Roese também comentou os desafios que enfrentou para conquistar seu espaço do lado de fora das quadras, após deixar de ser atleta.
“Olhavam para mim como uma ex-jogadora de voleibol, que tinha conquistado várias coisas, e por sete anos fui formadora das equipes do Flamengo. Foi uma construção. Muitos olham a treinadora como a técnica no sentido maternal ‘você vai cuidar da minha filha’. A mulher pode e deve estar também no alto rendimento”, declarou.
Esse foi o 45° encontro da Academia do Voleibol, que realiza reuniões virtuais com temas variados sobre vôlei de praia, vôlei de quadra e Conat (Comissão Nacional de Treinadores). O conteúdo fica disponibilizado no Canal Vôlei Brasil (http://canalvoleibrasil.cbv.com.br).
O Banco do Brasil é o patrocinador oficial do voleibol brasileiro