Entrar em quadra e resolver o jogo. Esta é uma missão que constantemente recai sobre os ombros do oposto em uma partida de voleibol. E Fabrício Stevens Finoti Dias, o Lorena, sabe bem como é enfrentar esta responsabilidade. O atleta, que completou 40 anos há pouco mais de três meses, tem longa história no esporte, com passagens em grandes times do Brasil, da França e da Itália.
Nesta temporada o jogador – que, como ele mesmo diz, tem fama de louco por ser muito passional quando em ação – foi a referência na campanha vitoriosa do Botafogo (RJ) na Superliga B 2019. Lorena ajudou a equipe carioca a alcançar a tão sonhada vaga na elite do voleibol nacional, com direito ao título da competição, após bater o Apan Blumenau (SC) no último dia 14 de abril.
Em entrevista exclusiva ao site da Confederação Brasileira de Voleibol (CBV), o atleta conta um pouco dos bastidores da campanha na Superliga B, em como enxerga o esporte e os planos para o futuro.
Depois da conquista do título da Superliga B você se emocionou bastante e falou em legado no voleibol do Botafogo. Como foi o começo desta história?
Eu tinha feito uma temporada muito complicada no ano anterior. E fiquei triste porque não estava recebendo nenhuma proposta. Fiquei mexido. O que mais me afligia era a sensação que eu tinha muito ainda para contribuir. Vim para o Rio de Janeiro, onde eu tenho um apartamento, e fiquei aproveitando as minhas férias, e mantendo a minha forma. Já estava namorando o projeto do Botafogo. Falei com o Guilherme (Nogueira, supervisor da equipe) e ele me convidou para conhecer melhor o clube. Fomos jantar, e ali eu disse para ele que iria jogar no Botafogo e fazer o time subir para a primeira divisão. Ele até mudou de assunto, achou que eu estava doido. Eu me propus a buscar mais patrocinadores e que poderia ser necessário mudar o projeto de cidade. Fui incorporado ao elenco e fomos para a final do Carioca. Jogamos muito bem contra o Sesc RJ, com muita garra, mostrando que os jogadores que estavam ali tinham o espírito guerreiro que o Botafogo precisava. Depois deste jogo, os dirigentes enxergaram o nosso potencial e disseram que não tinha chance de o projeto sair do Botafogo, que eles iriam arrumar uma forma de disputar a Superliga B.
E a sua adaptação ao time foi rápida?
Quando estávamos no começo da temporada, o Walner (Santos, técnico do time) conversou comigo e disse que faria um programa especial de treinos, que eu não precisaria treinar de forma integral, para me poupar. No primeiro dia eu já cheguei ‘chutando o balde’, treinei com tudo, dando até peixinho. Eles ficaram espantados, tiveram certeza que eu era louco (risos). Mas eu sempre achei que o voleibol precisa de exemplos. Eu era o mais velho ali, com o dobro da idade de alguns deles, então eu precisava conquistar a confiança de todos, e a única forma de fazer isso era trabalhando mais que todos, me dedicando ao máximo, dando mil por cento. E esse meu jeito acabou contagiando a todos.
Quem acompanhou a campanha botafoguense nesta Superliga B viu que você foi a referência em quadra para uma equipe composta por muitos jovens atletas. Como foi essa relação com a garotada, esta troca de experiências?
Foi maravilhosa. Se eu sou o mais velho, tenho que dar o exemplo. Tenho que querer mais que todo mundo. E eu só sei trabalhar. Sou um maluco, um sonhador e um trabalhador. Esta é a minha essência. E acho que este meu jeito fez com que eu me identificasse com o Botafogo, e que o clube e a torcida se identificassem comigo. Eu cheguei aqui com a ideia fixa na cabeça de que levaria o Botafogo para a primeira divisão. Eu escrevia isso todos os dias, acordava com isso na minha cabeça, ia para o trabalho pensando nisso. Não teve um dia que eu não pensei nisso. Por isso, joguei o meu máximo, entreguei tudo o que eu tinha em quadra nos jogos da Superliga B. Eu entrava em quadra com medo de perder, sabia que cada jogo seria uma batalha, e que teríamos que trabalhar muito para alcançar nosso objetivo.
Esta foi a quarta temporada do Botafogo na Superliga B. Nas outras oportunidades o time chegou perto, mas não conseguiu o acesso. O que foi feito neste ano que pode ter mudado o resultado final?
Acho que em parte o sucesso do Botafogo neste ano foi ter aproveitado os talentos que já tinha em casa. O Botafogo tem uma história bonita no voleibol. Um trabalho que estava bem feito na base. Em outros anos investiram em contratação de atletas já consagrados, desta vez deram chance aos meninos que cresceram aqui, já estão identificados com o time e tinham talento. E eles corresponderam, se dedicaram e me deixaram com muito orgulho ao ver o quanto eles trabalharam, o quanto ralaram nos treinos e nos jogos para conquistarem este título. E o Botafogo merecia pela história que tem, pelas pessoas que passaram aqui, especialmente o Bebeto de Freitas, que foi um revolucionário do voleibol, referência para muita coisa que temos realizado até hoje aqui. Ele também era botafoguense fanático e deve estar muito feliz em algum lugar com este título.
Você completou 40 anos em janeiro, tem uma carreira longa. Em que patamar você coloca o título com o Botafogo dentro da tua história no esporte?
Este título da Superliga B, por incrível que possa parecer, é o momento mais importante da minha carreira. Tive passagens por clubes grandes no Brasil, na França, na Itália, mas aqui eu consegui provar que a idade não é mais um fator tão importante assim na vida de um atleta, ainda mais com os avanços da medicina atualmente. Eu achava muito duro ter que encarar um final de carreira precoce, sabendo que eu ainda tinha condições de contribuir, mas estava com dificuldades em encontrar uma oportunidade. Hoje o voleibol brasileiro tem diversos exemplos de jogadores que estão em alto nível mesmo chegando perto dos 40, como o Diogo (ponteiro do Corinthians-Guarulhos), o Filipe (ponteiro do Sada Cruzeiro), o Rapha (levantador do EMS Taubaté Funvic) e o Serginho (líbero do Corinthians-Guarulhos), até mesmo o Ricardinho, que se aposentou, teria ainda condições físicas de continuar. E o Botafogo me deu essa chance de mostrar o meu trabalho. Não sou mais o Lorena que surgiu no Montes Claros há 10 anos, mas hoje sou melhor, mais experiente e nunca tive uma lesão grave, nunca tive que operar nada, e consegui mostrar isso nesta temporada.
E o quais são os seus planos para a continuação da tua carreira quando parar de jogar?
Eu continuo no Botafogo, mas quando parar de jogar eu quero seguir como manager. Eu gosto deste tipo de trabalho de montar o time, sentar com os patrocinadores. Acho que o voleibol precisa ser mais profissional para ir mais longe. Não se pode deixar tudo na mão do técnico, ele é responsável por planejar os treinamentos, montar as estratégias de jogo. E eu quero ter essa função de me reunir com empresários, desenhar a equipe e entregar para o treinador e dizer: ‘este aqui é o elenco que montamos para sermos campeões’.